terça-feira, 30 de março de 2010

O Incidente

Caminhava com Hércules - nosso cão - pelo parque. Era bem cedo. Havia perdido o sono, e como Hércules estava tão impaciente quanto eu, saímos para dar um passeio.

O parque ainda estava vazio. Era possível sentir o ar gelado da manhã de inverno nas maças do rosto. Nosso respirar formava pequenas linhas de vapor saindo da boca e das narinas. O gramado ainda branco da geada estralava sob meus pés quebrando o silêncio do parque.

Passamos por um banco onde havia um homem sentado. Não pude ver-lhe o rosto porque usava um chapéu de abas largas e estava com a cabeça baixa como se dormisse... Assim que o deixamos para trás senti o movimento dele levantando... Segurei firma a coleira de Hércules e apertei o passo, atrás escutava o ruído dos passos dele em meu encalce:

-- Maldita hora que resolvi sair de casa tão cedo!!! - Pensei com raiva de mim mesma.

O medo corria no meu sangue e Hércules já sentia e se agitava na coleira. A cada passo o suor brotava do meu rosto por conta do caminhar rápido e da grande quantidade de roupa que usava... Hércules já estava começando a cansar e eu também...

O homem nos perseguia com ímpeto. Num átimo, lembrei do posto policial que existia dentro do parque. Quem sabe nao haveria um guarda pront para me ajudar, ou ao menos me abrigar do me perseguidor...

Respirei fundo mais uma vez, apertei bem a coleira e acelerei iniciando uma pequena corrida em direção ao posto... Ao avistá-lo percebi com alívio que havia alguém por lá, pois as luzes ainda estavam acesas. Sabia que meu perseguidor ainda estava atrás de mim, apesar da minha corrida...

Cheguei ao posto e entrei. A porta estava aberta e o guarda sentado se assustou com meu estado levantando imediatamente...

-- Senhora, tudo bem? Sente-se, por favor!

Respirando com dificuldade tento explicar o que acontece quando o homem chega na porta do posto tão esbaforido quanto eu. Olha bem pra mim. E do mesmo modo que eu, tenta dizer alguma coisa...

Quando olho pra sua mão sinto uma vermelhidão enorme subindo pelo meu rosto. Levanto de onde estou ainda respirando com dificuldade e vou até o homem parado na porta ao lado do policial. Estendo minha mão e pego meu cachecol preferido das maos dele...

-- A senhora.... Deixou.... Cair....

Com o rosto ainda rubro, sem saber mais se era vergonha ou do vento que havia tomado...

-- Ãh, me desculpe... Obrigada pelo cachecol, ele é mesmo importante...

O guarda que nada entendia, sentou em sua mesa e apontou em sua planilha:

"Incidente resolvido"

domingo, 28 de março de 2010

Ob Ligada


Ele chega e mais uma vez me encontra sentada na poltrona da biblioteca. Tenho uma taça de vinho numa mão e um livro na outra, no entanto estou com o olhar perdido em uma das páginas do livro, tão distraída que não o vejo chegar...
-- Mang?!
-- Ah, oi - sorrio para ele na tentativa de disfarçar.
-- O que foi?
-- Ãh?!
-- Vamos, Mang, você está assim desde ontem...
Ele senta na poltrona ao lado, pega a outra taça de vinho que sempre está alí e serve o vinho. Me olha com o olhar mais confidente de todos. É impossível não falar com ele.
-- Ando meio pensativa nesses dias, não é?! - digo ainda na esperança de fugir da conversa...
-- Distante seria a palavra certa, amor...
Parei para refletir por um instante. Era verdade, não conseguiría negar. Então respirei fundo e disse:
-- Sabe, estive pensando sobre a palavra obrigada. Tantas vezes dita mas poucas com sinceridade...
Deixo a tensão surgir no meu rosto. Ele já sabe do que eu falo:
-- Mang, compreender que "ob ligado" é estar ligado por uma obrigação moral com o outro é para pessoas especiais. Para pessoas que levam a sério ensinamento simples como "tu te tornas responsável por aquilo que cativas". Nem todos alcançam isso...
Olho pra ele no meio de um suspiro:
-- Eu sei, amor, mas é tão difícil... Muitas são as vezes em que me entrego tanto para não receber de volta...
-- Amor, a dívida que você forma nesses laços é uma coisa do seu caráter. E é isso que te torna essa pessoa especial...
Mais um suspiro sai de mim. Olho para ele. Vejo o amor dentro dos olhos dele. Ergo a taça. Tomo um gole. Pego em sua mão mostrando meu agradecimento eterno por tê-lo a meu lado e pela maneira como diz as coisas certas na hora certa... Ele sente que é o momento certo...
-- E então, amor, o que está lendo hoje?
Sorrio e dedico os próximos minutos a falar do livro...

sexta-feira, 26 de março de 2010

A desculpa


Estou no meio do shopping. Procuro por ele como combinamos. Me dirijo até a cafeteria onde sempre fazemos o lanche...

A garçonete me vê chegando e já aponta para nossa mesa. Ela fica alí no cantinho ao lado da TV grande que tem na parede.

Olho no relógio, ele está ligeiramente atrasado... Caroline já me trouxe o café e avisou que já está mandando preparar o café com o aroma delicioso de baunilha misturado...

Eu me distraí com a TV, passava um filme engraçadinho, tomava o café a goles saborosos enquanto meus olhos se perdiam no colorido da película...

Num repente o cheiro do café ganha outro sabor. O perfume irresistível dele. Fecho os olhos e respiro fundo. Ele sabe o efeito que causa em mim. Sei que está sorrindo quando toca meu ombro...

-- Oi, Mang...

-- Oi!! Você está atrasado.

-- Foi por uma boa causa...

Ele senta à mesa e me estica uma sacolinha com o sorriso no rosto. Quando vejo de onde é o embrulho minha melhor cara de braba se perde vencida pela desculpa mais injusta desse mundo. Ele sabe o quanto amo livros...

Caroline ao ver de longe que já estava tudo bem, traz a água dele e avisa:

-- Já sirvo o resto. Desejam algo diferente hoje?

A mão dele sobre a minha. Eu atenta ao livro que acabo de ganhar - como queria esse. Ele olha para ela e faz um pequeno movimento de cabeça dizendo não. Ela sorri, pede licença e sai...

-- Isso não é justo.

-- Desculpe, Mang, me atrasei no trabalho...

Sorrio e a conversa passa pra outros ramos enquanto rímos...

terça-feira, 23 de março de 2010

Sonhos a dois


-- Um tostão pelos teus pensamentos.

-- ...

-- Mang? - olha preocupado.

-- Ãh, desculpe... É que estava aqui pensando em como estamos bem hoje... E se é possível que estejamos assim quando formos velhinhos...

-- ...

Olho para ele intrigada com o silêncio. Dificilemnte ele nao tem algo pra dizer. A comunicação entre nós é sempre tão perfeita que poucos são os momentos assim...

Meu coração sente um frio e gaguejo algo em direção a ele...

-- Eu... É...

-- Mang, ontem eu tive um sonho. Eu estava passando pela praia e vi um casal de velhinhos. Quando olhei pra ela, amor, ela tinha os teus olhos. Esses olhos mágicos que só você tem igual... E a senhorinha sorriu pra mim... E quando ela sorriu...

-- O que F?!

-- Bem, eu reconheci você imediatamente. Só você sorri daquele jeito, amor...

Olhei pra ele e sorri, foi impossível não fazê-lo...

-- Esse, Mang, esse!

-- ...

-- Então olhei para o velhinho preocupado, afinal, se eu estava alí quem seria aquele que estava com você...

-- ????

-- Era eu sim. Eu. Alí, velhinho a teu lado. Caminhando pela praia...

Quando ele me olha vê uma lágrima caindo...

-- O que foi, Mang?

-- Era exatamente o que eu estava imaginando. Se um dia nós dois íamos estar caminhando de mãos dadas na praia, como agora, bem velhinhos...

-- Mang, eu caminharei com você até no mar de nuvens do céu depois que morrermos...

Dei um sorriso pra ele. Ele me sorriu de volta. Um beijo. Mãos dadas e o caminho a seguir...

quinta-feira, 18 de março de 2010

O balanço


Estava uma princesinha a conversar com sua mãe. A rainha sempre ocupada nunca deixava de ter um tempinho pra sua pipoka, afinal, era o amor de sua vida:

-- Mamãe, porque o céu é azul?

-- Hum... Porque Deus é menino, Pipoka.

-- Ãh?

-- Sim, Pipoka, se Deus fosse menina o céu seria cor de rosa...

A princesinha olhou bem pra mamãe pensando no que ela dizia, e pareceu-lhe fazer bastante sentido. A Rainha sorria satisfeita, pois sua Pipoka estava feliz ao lado dela e ela ao lado da Pipoka.

As duas viviam em um palácio bem lindo. Tinha um quarto pra princesinha todo cheio dos brinquedos que ela mais gostava e com muitos livros de historinhas pra mamãe ler - ela o fazia todas as noites antes dela dormir. Um quarto pra rainha, com imensas janelas para o lago onde ela passava horas lembrando das coisas boas que já havia vivido... A sala de visitas, a cozinha, banheiros (claro - toda casa tem banheiro)...

Na frente do palácio havia um jardim cheio de flores, uma mais bela que outra. Um banquinho de jardim embaixo de uma árvore onde era comum ver as duas: A princesinha a correr atrás das borboletas gargalhando gostoso e a rainha sentada a observá-la de soslaio enquanto lia...

E alí no jardim está o brinquedo que a Pipoka mais gosta: Um belo baloiço (balanço para os leigos) onde ela costumava "voar" para os mundos diferentes e encantados... A princesinha adorava aquilo. A mamãe vinha por trás e a embalava:

-- Segura firme, Pipoka.

Ela fechava os olhos e segurava firme no baloiço que ia pra frente com o impulso dado pela Rainha... Sentia-se muito feliz, podia estar em qualquer lugar...

-- Mamãe?

-- Oi...

-- Hoje está muito frio?

-- Hum... Acho que não... Vês o sol pela janela?!

-- Sim, mamãe...

-- Então acho que não está muito frio.

Uma pequena pausa...

-- Mamãe?

-- Diz, Pipoka...

-- Podemos nos balançar?

A Rainha não resiste àquela carinha de pidona da Pipoka. Põe seus afazeres um pouco de lado. Levanta-se. Pega na mão da princesinha e sai com ela para o jardim.

No primeiro balançar ela diz:

-- Segura firme, Pipoka.

A princesinha fecha os olhos, se agarra no baloiço e sente o toque suave das mãos da rainha em suas costas empurrando-a para o vento... Nesse instante o que se houve em cada canto do castelo são as gargalhadas da princesinha e da rainha, as duas juntas e felizes a brincar no jardim... (para sempre se precisarem de um fim :p )


Esse é dedicado à Maria e à Teresa lá do outro lado do oceano...

terça-feira, 16 de março de 2010

Novidades


-- Oi!
-- Bah! Quanto tempo... Que saudades!
-- Pois... Novidades?
-- Ah siiim, quase te esqueci de contar.
-- hauhaua conta, conta...

(link)

-- Vê isso ai...
-- Já leio, tá lento aqui...
-- Nao é de ler, é de ver...
-- É percebi depois que cliquei...
-- Percebi...
-- .....
-- .....
-- QUE CHIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIQUEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEE Estou emocionadissima!!!! Toda produzida, chiquéééérrima na televisão!!! Quanto foi isso????

-- A filmagem a 3 segundas atrás e passou na quarta passada...

-- Dá pra ver na tua cara que tu ta muito feliz lá...

-- Nossa, eu estava mesmo com saudade... Me fez chorar agora...

..................................................................................................................................................

-- Hey, diz uma palavra aí?

-- Pizza

-- :)

-- :p

-- ..........

-- ..........


(total falta de criatividade)


terça-feira, 9 de março de 2010

Surpresa


Ontem cheguei em casa e ela estava num silêncio tão grande que quase me partiu o peito.
Fui até a cozinha e quando cheguei lá vi algo estranho. Tinha certeza que a louça do café da manhã estava na pia quando saíra...
Frazo o cenho e mais estarnho ainda é que olho para o fogão e vejo panelas com coisas entro... Verifico e vejo que é minha comida preferida... Meu coração já estava prestes a saltar pela boca. Volto pra sala e acendo a luz da sala de jantar... A mesa está posta pra dois e um candelabro - ainda apagado - está ao centro dela...
Nessa altura sei o que está acontecendo.
Deixo a bolsa no sofá da sala e subo as escadas, entro no quarto bem cautelosa porque ainda nada escuto... Sinto um cheiro maravilhoso que vem do quarto. Ele certamente tomou banho. Olho pra nossa cama e lá está ele.
Suas costas expostas enquanto ele de bruços dorme suave... Chego de mansinho e o cutuco... Ele desperta ao mais leve toque... Sorri para mim... Quase não acredito que ele está alí... Ele se vira na cama e me olha com amor e serenidade...
-- Feliz dia das mulheres, Mang...
Sorrio para ele agradecida pelo esforço.
-- Espero que nao esteja cansada, preparei um jantar pra você, e quem sabe de sobremesa não podemos "comer bolachinha"...
Beijo-o com a saudade de um mês inteiro.

terça-feira, 2 de março de 2010

Recado


Tiro a bolsa do ombro, coloco em cima da mesa e vejo. Meus olhos enchem de água e tenho que me controlar para não deixar a emoção tomar conta de mim...
Meu coração e meu pensamento voltam anos no tempo, quando eu ainda era uma menina loirinha e pequenininha, com os cabelinhos cacheados balançando ao vento. Eu e minha avó estávamos sentadas numa praça esperando meu avô. Por algum motivo ele não estava conosco, não lembro a razão nem pelo vô nao estar conosco, nem porque estávamos alí, mas é possível que a gente estivesse saindo do teatro já que a praça fica perto do mesmo.
Alí, as duas, como muitas vezes, conversando... Num momento qualquer dessa espera, uma joaninha pousou em meu braço e talvez eu tenha tido medo, mais uma vez minha memória falha, afinal, isso deve ter sido quando eu tinha entre 4 e 6 anos, mas lembro, como se fosse nesse momento, minha avó dizendo:
-- Bobagem! Ela não vai te morder. Quando uma joaninha pousa na gente é sinal de boa sorte!
Ainda hoje, quando fecho os olhos eu penso nisso e praticamente escuto minha avó dizendo isso...
Olhei pra joaninha na alça da mochila, apanhei-a na mão, fui em direção à janela e ela voou em mim... Parecia não querer me largar... A sala cheia, parecia notar a emoção... calmamente fechei os olhos por instantes minúsculos, respirei fundo, consegui levar a joaninha até janela, fiz uma oração agradecendo à minha avózinha pela força e olhei pra todos:
-- Bom dia!
-- Bom dia...
E tudo voltou ao normal...